Skip to main content

Véspera

(Trabalho em parceria com Tatiana Guinle – Work developed with Tatiana Guinle)

Véspera

Por Susana Guardado

O mundo que cruzou o novo milênio trouxe consigo premonições do vazio. Na Véspera de partir nunca, é um mergulho em uma viagem subjetiva-descortinada pelos tempos modernos, cujas certezas desapareceram, levando de vez qualquer tranquilidade acerca daquilo que se é.

Tudo o que existe, se transforma em um jogo de intensões onde o sujeito fotografado, cores, sentidos e caminhos são trocados, negociados, e direcionado para alguma coisa, uma realidade plástica, silenciosa à mercê do tempo e da urgência de viver.

Chegou a hora de fazer planos e seguir por uma estrada aonde a magia é chegar ao seu destino, um glorioso Éden, uma promessa de eterna felicidade. Mas esse destino um quase labirinto reto, percorre a estrada que tantas vezes se adia caminhar, que parece não ter fim, que faz cair em uma armadilha, em uma apatia vertiginosa entre barreiras invisíveis, que é o correr em busca de si mesmo e o medo de chegar lá.

Por isso, muitas vezes se adia o momento, amanhã é dia de conquistar o mundo e a mim mesmo, mas só o farei depois de amanhã. Por que…

Na véspera de não partir nunca

Ao menos não há que arrumar malas

Nem que fazer planos em papel,

Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,

Para a parte ainda livre do dia seguinte.

Não há que fazer nada

Na véspera de não partir nunca

“Álvaro de Campos” heterônimo de Fernando Pessoa

O romantismo ideológico perpetua o cenário presente como uma armadilha perante as possibilidades de si própria.

A linha que sugere o percurso indica o trilho a ser percorrido como um destino que se traçou, e ao mesmo tempo a fragilidade que se pode tornar a caminhada uma corda bamba, uma tênue linha que não significa apenas sua materialidade objetal, representa também que a viagem é mais do que o movimento de partida e de retorno a algum lugar. O estrangeiro de si mesmo deve constantemente continuar a viajar em busca de si próprio.

São estas abstrações que surgem concretizadas em imagens. No tríptico fotográfico de tons rosa há uma melancolia refletida no jogo interior do desejo, mais vivido que a vida presente, e, no entanto impalpável, inacessível, a não ser pela viagem através da eternidade perdida de nós próprios.

A passagem do tempo vivida provoca um “estar-entre”, um “quase”, um “poder ser que”, até, gradualmente, tornar-se algo de onde não emerge mais. Aqui se reproduz a sensação de estar diante de abstrações como a vida, e o sentimento da vida, vividas pelo tempo sem que ele se concretize.

Na fotografia a ilusão é real e verdadeira em si mesma, ela não nega sua natureza, nada é exatamente o mesmo. É no olho do fotografo e nos espelhos da sua câmera que se reproduz a imagem, uma ideia de realidade, um interior estético, composto por encontros renovados com o argumento que se quer contar, e anuncia o vazio de uma realidade que é inventada, como algo transparente que se quer atravessar.

As histórias que essas imagens nos contam parecem muitas vezes enredar na armadilha do desejo. O fotógrafo de hoje é o olhar do homem desconstruído no século XX, unindo em sim mesmo por atos de inconsciente violência a sua história, a percepção da estética, o renovar de seus sentimentos. Alguns nos trazem fotografias que caminham para o processo de ação, abrindo os aspectos desconhecidos da suspensão temporária de ser, e assim se tornando em mensagens enigmáticas muitas vezes sem contraste ou sem a natureza indeterminada do gênero.

Estas se transformam em sinais iconográficos de interpretação, como trilhos contaminados do nosso ideal e ao mesmo tempo dos nossos vazios, na ignorância e na ânsia de nós mesmos nos percorrermos, em nós mesmos.